Tom político dos discursos e prêmios da edição de 2015 são brisa da mudança no Oscar
Há não muito tempo a coluna abordou um tema que parece interno demais à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Parece e é; mas produz resultados diretos na forma como o cinema americano se posiciona e como o Oscar, enquanto instituição, se pronuncia. Não só em comunicados oficiais, mas também por meio de seus prêmios. O post, que pode ser lido aqui, tratava da guerra fria travada entre as alas modernizante e conservadora da academia. Esse embate já ocorre há algum tempo e a cada ano se torna mais revelador e insidioso. Em 2015, enquanto muitos chiaram pela ausência de diversidade no Oscar, outro recorte permitia observar a liderança de duas comédias incomuns e incrivelmente originais na disputa pelo prêmio. Falamos, é claro, de “O Grande hotel Budapeste” e “Birdman”, que acabaram sendo também os campeões de Oscars com quatro troféus cada. O independente “Whiplash – em busca da perfeição” surpreendeu a muitos ficando logo atrás com três estatuetas. Ora, é preciso parar um pouco e festejar o fato de que três filmes originais e independentes na alma e na embalagem foram os grandes destaques da 87ª edição dos prêmios da academia. O fato ganha ainda mais relevo se lembrarmos que haviam produções com “cara de Oscar” na disputa. Caso dos britânicos “A teoria de tudo” e “O jogo da imitação”. Há quatro anos, “O discurso do rei”, um filme bem menos azeitado do que “O jogo da imitação”, por exemplo, derrubou filmes muito mais criativos, inteligentes e cativantes como “Cisne negro” e “A rede social”. Tanto o filme estrelado por Benedict Cumberbatch como o estrelado por Colin Firth eram distribuídos por Harvey Weinstein, considerado o grande gênio do marketing com vistas ao Oscar. Sinais dos tempos?

O reinado do Oscar de Lego: em uma cerimônia cheia de meas culpas, o Oscar de Lego, que surgiu logo depois da esnobada ao filme “Uma aventura Lego”, foi um dos destaques
(Foto: reprodução/Instagram)
O mexicano Alejandro González Iñarritu levou três troféus na noite, como roteirista, diretor e produtor. Na terceira vez que subiu ao palco fez um discurso sobre os EUA serem um país construído por imigrantes e reverenciou os compatriotas mexicanos. Trata-se da segunda vitória de um cineasta mexicano consecutivamente na categoria de direção. Um americano não vence na categoria desde o triunfo de Kathryn Bigelow em 2010 por “Guerra ao terror”. O discurso foi ensejado por uma piada de Sean Penn, amigo do diretor e com que já trabalhara em “21 gramas”, envolvendo o green card do mexicano.
A internacionalização da academia pôde ser ratificada em outros prêmios. Reese Witherspoon, indicada ao Oscar como melhor atriz por “Livre”, lembrou ainda no tapete vermelho que eram 44 mulheres indicadas ao Oscar naquela noite. Se descontarmos as dez concorrendo em categorias de atuação, ainda eram 34. Um número bastante significante. Muitas delas venceram, como Laura Poitras, pelo documentário “Citizenfour”.
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Há um movimento, ainda imperceptível para os olhos do espectador ocasional, nas entranhas da academia. Um movimento progressista, frise-se. E aí entram os discursos inflamados.

O triunfo de Dana Perry e Ellen Goosenberg Kent na categoria de documentário em curta-metragem
(Foto: AP)
Não se dissipou a sensação de que entre os principais indicados havia pouca diversidade. E Neil Patrick Harris acertou sua única piada logo em sua primeira fala mirando no elefante na sala. Patricia Arquette veio de caso pensado. Sabia que ia ganhar e como fizera em todas as premiações, sacou o papelzinho e vaticinou: “É nosso tempo de ter igualdade salarial e direitos iguais para as mulheres nos EUA”. Foi uma reação a percepção dominante de que a academia ainda é um clube do bolinha. Essa ala modernizante tem como característica esse desprendimento em insinuar-se. Arquette, como todo vencedor do Oscar, deve se juntar ao grupo. John Legend, Graham Moore, Iñarritu e toda a flana politizada da noite podem ser percebidos neste contexto. Assim como a própria vitória de “Birdman”, indo além no diagnóstico dessa ruptura nas hostes da academia. A julgar pelo número musical inicial, em que um histérico Jack Black esbravejou tudo que estaria errado com a Hollywood de hoje (os inúmeros filmes de super-heróis, inclusive), a homenagem aos 50 anos de “A noviça rebelde” e a própria celebração de “Birdman”, quando a academia dispunha de outros caminhos tão elogiosos e satisfatórios quanto à distinção ao filme de Iñarritu, pode-se dizer que há uma estafa mal resolvida, uma crise mal elaborada com os filmes de heróis. É como se a academia dissesse, precisamos pensar no que estamos fazendo. Por que não fazemos mais filmes como no passado? “Birdman”, afinal, captura com esplendor essa crise de identidade. Hollywood precisa ser mainstream, mas há muito tempo que os estúdios não fazem filmes adultos inteligíveis que deem bilheteria. É bem verdade que neste ano tivemos dois. “O juiz” e “Garota exemplar”, ambos com presença reduzida no Oscar. A academia parece ressentir-se dessa ânsia toda por franquias milionárias e clama por novos “Scarface”, “Amadeus”, “Melhor é impossível”, etc.

Iñarritu, o grande nome do Oscar 2015 é do México: tendência de internacionalização e maior diversidade
é irreversível
(Foto: AP)
Como curiosidade, nove dos 20 atores indicados já marcaram presença ou estão vinculados a filmes de super-heróis. Vamos a eles: Edward Norton, Mark Ruffalo, Michael Keaton, Bradley Cooper, Emma Stone, J.K. Simmons, Benedict Cumberbatch, Felicity Jones e Marion Cotillard.
Este ano o Oscar voltou a perder audiência nos EUA. Os números caíram cerca de 15% em relação ao ano passado e a cerimônia foi a menos assistida desde 2009. A vitória de “Birdman”, sobre um ator que tenta desesperadamente conquistar relevância e obter reconhecimento, é uma sinalização para dentro e para fora. Representa, também, o ponto de convergência entre conservadores e modernizantes de que é preciso ir para algum lugar.